Erros, pânico e revolta em Madri: o caso da enfermeira com ebola
Fernando Kallás
De Madri para a BBC Brasil
Ninguém. A sala de espera da ala de emergências do Hospital Universitário de Alcorcón, no subúrbio de Madri, está vazia.
O silêncio angustiante, onde apenas se ouve o ruído do motor das máquinas de refrigerantes e café, é subitamente quebrado pela abertura de uma porta, de onde saem duas senhoras de meia idade, do serviço de limpeza.
"Desde ontem, dizer que o movimento caiu é pouco. As pessoas desapareceram", diz uma delas, apontando para o balcão de informações, também vazio.
Menos de 48 horas antes, no começo da noite de segunda-feira, a auxiliar de enfermagem Teresa Romero Ramos era trazida aqui por uma ambulância comum com febre alta.
Ela trajava uma máscara cirúrgica e as mãos cruzadas sobre o peito e, ao ser atendida neste mesmo balcão que agora está vazio, surpreendeu a todos: "Vou colocar vocês em uma confusão, acho que estou com ebola."
Teresa, de 44 anos, é a primeira vítima a contrair a temida doença fora da África. Ela fazia parte da equipe que atendeu os missionários espanhóis Miguel Pajares e Manuel García Viejo, que contraíram ebola em Serra Leoa, foram repatriados e morreram no Hospital Carlos III de Madri em setembro.
"Houve um descuido e ela tocou o rosto com uma das luvas que usou quando estava no quarto de García Viejo", explicou nesta quarta-feira o Germán Ramirez, chefe do departamento de clínica médica do Hospital Universitário La Paz, responsável pelo Carlos III, onde agora está internada e isolada a auxiliar de enfermagem.
Além de Teresa, seu marido, outras duas enfermeiras e um homem que apresentou febre alta depois de viajar à Nigéria também estão internados e isolados no centro de referência espanhol para doenças contagiosas. Outras 50 pessoas estão em observação das autoridades.
"Cometi o erro ao retirar o uniforme", disse Teresa em entrevista ao jornal El País. No dia 29 de setembro, ela começou a ter febre, procurou as autoridades sanitárias e foi instruída a seguir medindo a temperatura.
Nervosa e ciente da gravidade da situação, passou a dormir em camas separadas de seu marido e a usar um banheiro diferente ao dele. Como a febre não passava, foi ao clínico geral no posto de saúde mais próximo que lhe receitou paracetamol e lhe disse que era apenas uma gripe.
E assim esteve, doente, mas vivendo uma vida normal, até que na madrugada de segunda-feira, com uma febre de 39 graus, resolveu chamar uma ambulância que a levou ao hospital.
"O protocolo usado pelo Ministério da Saúde espanhol, o mesmo do CDC nos EUA, diz que o paciente tem que tomar a temperatura duas vezes ao dia e, se alcançar 38,6ºC de febre, procurar ajuda", explica o Dr. Francisco López Medrano, especialista em doenças contagiosas do Hospital 12 de Octubre em Madri.
"Na minha opinião, o protocolo deveria ser diferente. É esperar tempo demais para uma doença grave demais", afirma.
Sem saber que Teresa estava com suspeita de ebola, a ambulância que a levou ao hospital não tomou nenhuma precaução e seguiu buscando pacientes durante as 12 horas seguintes, até que ela fosse isolada. Segundo o Dr. López Medrano, é impossível prever o impacto e a possível disseminação da doença.
"O ebola se transmite por contato direto com o paciente, principalmente através da mucosa, como aconteceu no caso de Teresa. Uma pessoa encosta no paciente ou alguma secreção e, em seguida, acaba tocando nos próprios olhos, boca ou nariz e assim, se infecta. Mesmo sem ter um corte na pele é fácil ser contaminado, mas por outro lado não se transmite pelo ar, como a gripe, o que torna o controle mais fácil", afirma o especialista, que demonstra maior preocupação com o marido, pelo contato diário com a auxiliar doente.
"O tempo de incubação do vírus é de dois a 21 dias, então é preciso todo cuidado nas próximas três semanas".
Cuidado e preocupação são palavras que repetem, como um mantra, a maioria dos moradores dos 120 apartamentos do condomínio de Teresa, também em Alcorcón. As autoridades passaram toda a manhã de quarta-feira limpando o apartamento da auxiliar de enfermagem e recolheram seu cachorro, um american stanford chamado Excalibur, que será sacrificado por ordem judicial.
Cerca de 50 policiais tiveram de fazer a escolta na porta do condomínio, já que dezenas de manifestantes pelos direitos dos animais protestavam contra a decisão de sacrificar o animal.
"Tudo que sabemos é pela imprensa, ninguém do governo entrou em contato com os vizinhos pra explicar a situação, estamos muito nervosos", conta Montse Agüada, que mora em um dos nove edifícios desse condomínio de classe média em Alcorcón, a menos de 10 minutos do hospital onde Teresa foi internada e esteve até ser transferida ao Carlos III onde permanece, até o momento, estável.
Em Alcorcón, o medo continua. A sala de espera da ala de Emergências continua vazia. Mas do lado de fora três mulheres esperam sentadas notícias de um familiar que está internado há três dias. Quando questionadas sobre o caso, a resposta é taxativa. "Estamos aqui fora por isso, não queremos entrar, ninguém quer, estamos todos aterrorizados", conta Alicia Burgos, momentos antes de três soldados da Guarda Civil, a polícia militarizada espanhola, saírem por uma porta que dizia "apenas pessoal autorizado".
Os três levam máscara e luvas de borracha, que jogam no lixo antes de abrir a porta do furgão estacionado na vaga reservada para ambulâncias.
Quando perguntado pela reportagem da BBC Brasil se estava finalizado o trabalho de limpeza e desinfecção da área onde a auxiliar de enfermagem foi atendida, um dele olha com cara de surpresa e, com um sorriso incrédulo responde: "Nem de perto!".
O silêncio angustiante, onde apenas se ouve o ruído do motor das máquinas de refrigerantes e café, é subitamente quebrado pela abertura de uma porta, de onde saem duas senhoras de meia idade, do serviço de limpeza.
"Desde ontem, dizer que o movimento caiu é pouco. As pessoas desapareceram", diz uma delas, apontando para o balcão de informações, também vazio.
Menos de 48 horas antes, no começo da noite de segunda-feira, a auxiliar de enfermagem Teresa Romero Ramos era trazida aqui por uma ambulância comum com febre alta.
Ela trajava uma máscara cirúrgica e as mãos cruzadas sobre o peito e, ao ser atendida neste mesmo balcão que agora está vazio, surpreendeu a todos: "Vou colocar vocês em uma confusão, acho que estou com ebola."
Teresa, de 44 anos, é a primeira vítima a contrair a temida doença fora da África. Ela fazia parte da equipe que atendeu os missionários espanhóis Miguel Pajares e Manuel García Viejo, que contraíram ebola em Serra Leoa, foram repatriados e morreram no Hospital Carlos III de Madri em setembro.
"Houve um descuido e ela tocou o rosto com uma das luvas que usou quando estava no quarto de García Viejo", explicou nesta quarta-feira o Germán Ramirez, chefe do departamento de clínica médica do Hospital Universitário La Paz, responsável pelo Carlos III, onde agora está internada e isolada a auxiliar de enfermagem.
Além de Teresa, seu marido, outras duas enfermeiras e um homem que apresentou febre alta depois de viajar à Nigéria também estão internados e isolados no centro de referência espanhol para doenças contagiosas. Outras 50 pessoas estão em observação das autoridades.
"Cometi o erro ao retirar o uniforme", disse Teresa em entrevista ao jornal El País. No dia 29 de setembro, ela começou a ter febre, procurou as autoridades sanitárias e foi instruída a seguir medindo a temperatura.
Nervosa e ciente da gravidade da situação, passou a dormir em camas separadas de seu marido e a usar um banheiro diferente ao dele. Como a febre não passava, foi ao clínico geral no posto de saúde mais próximo que lhe receitou paracetamol e lhe disse que era apenas uma gripe.
E assim esteve, doente, mas vivendo uma vida normal, até que na madrugada de segunda-feira, com uma febre de 39 graus, resolveu chamar uma ambulância que a levou ao hospital.
"O protocolo usado pelo Ministério da Saúde espanhol, o mesmo do CDC nos EUA, diz que o paciente tem que tomar a temperatura duas vezes ao dia e, se alcançar 38,6ºC de febre, procurar ajuda", explica o Dr. Francisco López Medrano, especialista em doenças contagiosas do Hospital 12 de Octubre em Madri.
"Na minha opinião, o protocolo deveria ser diferente. É esperar tempo demais para uma doença grave demais", afirma.
Sem saber que Teresa estava com suspeita de ebola, a ambulância que a levou ao hospital não tomou nenhuma precaução e seguiu buscando pacientes durante as 12 horas seguintes, até que ela fosse isolada. Segundo o Dr. López Medrano, é impossível prever o impacto e a possível disseminação da doença.
"O ebola se transmite por contato direto com o paciente, principalmente através da mucosa, como aconteceu no caso de Teresa. Uma pessoa encosta no paciente ou alguma secreção e, em seguida, acaba tocando nos próprios olhos, boca ou nariz e assim, se infecta. Mesmo sem ter um corte na pele é fácil ser contaminado, mas por outro lado não se transmite pelo ar, como a gripe, o que torna o controle mais fácil", afirma o especialista, que demonstra maior preocupação com o marido, pelo contato diário com a auxiliar doente.
"O tempo de incubação do vírus é de dois a 21 dias, então é preciso todo cuidado nas próximas três semanas".
Cuidado e preocupação são palavras que repetem, como um mantra, a maioria dos moradores dos 120 apartamentos do condomínio de Teresa, também em Alcorcón. As autoridades passaram toda a manhã de quarta-feira limpando o apartamento da auxiliar de enfermagem e recolheram seu cachorro, um american stanford chamado Excalibur, que será sacrificado por ordem judicial.
Cerca de 50 policiais tiveram de fazer a escolta na porta do condomínio, já que dezenas de manifestantes pelos direitos dos animais protestavam contra a decisão de sacrificar o animal.
"Tudo que sabemos é pela imprensa, ninguém do governo entrou em contato com os vizinhos pra explicar a situação, estamos muito nervosos", conta Montse Agüada, que mora em um dos nove edifícios desse condomínio de classe média em Alcorcón, a menos de 10 minutos do hospital onde Teresa foi internada e esteve até ser transferida ao Carlos III onde permanece, até o momento, estável.
Em Alcorcón, o medo continua. A sala de espera da ala de Emergências continua vazia. Mas do lado de fora três mulheres esperam sentadas notícias de um familiar que está internado há três dias. Quando questionadas sobre o caso, a resposta é taxativa. "Estamos aqui fora por isso, não queremos entrar, ninguém quer, estamos todos aterrorizados", conta Alicia Burgos, momentos antes de três soldados da Guarda Civil, a polícia militarizada espanhola, saírem por uma porta que dizia "apenas pessoal autorizado".
Os três levam máscara e luvas de borracha, que jogam no lixo antes de abrir a porta do furgão estacionado na vaga reservada para ambulâncias.
Quando perguntado pela reportagem da BBC Brasil se estava finalizado o trabalho de limpeza e desinfecção da área onde a auxiliar de enfermagem foi atendida, um dele olha com cara de surpresa e, com um sorriso incrédulo responde: "Nem de perto!".