terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O fenômeno islamista deve ser entendido antes de criticado

Primeiro foi na guerra entre Israel e Hezbollah. Agora foi na guerra em Gaza. Durante os dois períodos, notei algumas vezes um fenômeno que me chamou a atenção.

Nos muitos protestos e nas declarações de indignação pela desgraça do povo libanês e palestino, eu via uma grande crítica à postura belicista e beligerante de Israel e uma solidariedade aos povos oprimidos, mas quase sempre sob um ponto de vista apenas humanitário. Muitas vezes notei, tanto em políticos e pessoas públicas quanto em amigos ou conhecidos, uma certa resistência em apoiar a causa libanesa e palestina que levou ao conflito, no caso os movimentos islamistas Hezbollah e Hamas. Pelo contrário. Vi várias vezes aquele discurso de que se deve dar apoio ao povo mas acabar com essas instituições diabólicas. De que a culpa está no radicalismo religioso. Que a "religião é o ópio do povo".

O que eu acho o mais curioso disso tudo é como esse pensamento simplista acaba colocando os críticos no mesmo patamar dos criticados. Antes de chegar ao "religião é o ópio do povo", Karl Marx escreveu algumas linhas mais que podem clarificar nosso raciocínio.

"(...) A religião é de fato a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou voltou a se perder. Mas o Homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d'honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base geral de consolação e de justificação. É a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo."

Ao encarar o fenômeno islamista na região simplesmente como ruim ou malvado, os críticos ocidentais acabam, meio que sem querer, fazendo exatamente o mesmo que os criticados: analisando a situação apenas nos termos religiosos.

Porque se analisassem ou até mesmo conhecessem a peça inteira de Marx, veriam que o fenômeno religioso na região é apenas uma resposta de um povo oprimido pelo colonialismo e imperialismo que trouxe à região miséria e pobreza.

Em vez de impor nossas idéias ou crenças sobre os outros, nós antes deveríamos tentar entender em que os outros acreditam e porquê. Enquanto continuarmos não querendo aprender, continuaremos a criticar e debater sentimentos religiosos em vez de realmente estar apoiando um povo que precisa de ajuda na luta por paz, independência e justiça social e econômica.

E isso por pura ignorância, porque não conhecer o Islã ou apenas conhecer a imagem trazida para o ocidente do que supostamente seria o Islã, algo diferente demais da gente para querer ser compreendido ou estudado. Eu sinceramente nunca vi críticas à Martin Luther King por usar o evangelho para mobilizar os negros oprimidos nos EUA. Ou à resistência católica irlandesa contra o imperialismo da coroa britânica. Ou ao clero que lutou contra os golpes e ditaduras patrocinados pelos EUA na América Latina.

É praticamente inevitável que a religião esteja presente nesses momentos de sofrimento. E que ela acabe sendo misturada com a luta, seja ela armada, intelectual ou política. E durante todo o curso da humanidade, as histórias de colonização e libertação são sempre histórias de terras conquistadas e liberadas pelo uso da força. Da Argélia ao Vietman, de Cuba à África do Sul, do Congo à Palestina: nenhum poder colonizador renunciou ao seu domínio apenas por negociações, diálogos e diplomacia.

Mas o problema é que, desde o 11 de setembro, qualquer manifestação "oriental" de luta contra o colonialismo e imperialismo é classificada de "terrorismo". Uma afirmação que não pode nem ser aberta a discussões e que se for contestada o contestador é visto como anti-cristo.

E num mundo onde querer aprender e entender é quase um crime, o diálogo fica cada vez mais difícil.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como siempre abogando por el respeto! MUy buen articulo!

Anônimo disse...

Pesquisando sobre o Bispo que chutou a Santa olhe onde vi parar: no seu Blog. Lendo o seu perfil e sua historia me interessei pelos seus comentários e principalmente pela visão das coisas hoje tão deturpadas entre o bem (ocidental) e o mal (oriental).
Gostei muito do deste seu artigo e vou tentar ler os demais. Abraços