quarta-feira, 4 de abril de 2001

Acordei hoje na maior animação, o dia amanheceu lindo depois de uma noite inteira de chuva, tava tudo dando certo até abrir O Globo e ler a coluna do Elio Gaspari (dono do melhor texto da imprensa brasileira)... puts, me bateu uma deprê! É duro encarar a realidade... Será que um dia eu serei esse tipo de jornalista que, com apenas 50 linhas de seus pensamentos transcritos, consegue mudar radicalmente o dia de uma pessoa?

É melhor errar com FFHH do que acertar com George II

ELIO GASPARI

"Por conta da Alca, vem aí uma grossa encrenca nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Este artigo destina-se a confundir a cabeça do leitor. Não pelo propósito de estabelecer a confusão, mas pelo objetivo de tornar mais interessante a discussão. Começando pelo começo:

Interessa ao Brasil o estabelecimento de uma zona de livre comércio com os Estados Unidos? Pode ser que sim, pode ser que não. Na terça-feira da semana passada, FFHH fez um jantarzinho para meia dúzia de empresários no Alvorada. Apresentou-se como um defensor da Alca e teve o mau gosto de se referir (de novo) à mania do povo de agarrar os candidatos que vão aos bairros populares para pedir os votos da choldra. Teve o desprazer de ouvir um dos maiores despautérios já ditos naquela sala. Teve também a oportunidade de saber que a Alca pode ser um mau negócio para os prestadores de serviços de telefonia, ainda que possa ser atraente para os produtores de aço. FFHH teria feito melhor se tivesse comido, sozinho, xepas de geladeira.

Uma zona de livre comércio entre o Brasil e os Estados Unidos pode tornar a indústria brasileira mais competitiva. Pode também aniquilá-la. Se amanhã a Fiesp amanhecer transformada num gigantesco McDonald’s, será mais fácil comer um Big Mac. Vai daí, danem-se os industriais que vivem do protecionismo. Seria ótimo se fosse assim, mas essa turma não se dana. Ela vende a empresa para um americano, põe o dinheiro em Nova York e vai viver dos juros do Dr. Alan Greenspan, que podem ser poucos mas são seguros. Danam-se os desempregados.

O encontro do FFHH com George II, dito W. Bush, foi um desastre. O charme francófilo (ou de Princeton) de Cardoso é idiossincrático para o outro, assim como a disposição texana de Bush é marca de fundamentalismo para FFHH. (Em tempo: George II namorou a enteada do personagem que gerou o fantástico Jett Rink de James Dean no filme "Assim Caminha a Humanidade".)

Bush quer a Alca para já, FFHH quer calma. Bush, como os imperadores romanos, tem ao seu lado uma poderosa economia. Tem também uma equipe de negociadores capazes de triturar seus equivalentes brasileiros por competência, método e responsabilidade. Só nos Estados Unidos dois negros como Colin Powell e Condoleeza Rice chegam a secretário de Estado e assessora para segurança nacional da Casa Branca. No Brasil, Powell talvez fosse um geólogo medíocre da Petrobrax. Rice jamais teria entrado na Universidade de Stanford.

FFHH e a patuléia estão a pé. Têm consigo o Hino Nacional, o auriverde pendão da esperança e o chanceler Celso Lafer, saindo da Casa Branca com a capa de chuva jogada sobre os ombros, como se estivesse entrando no cenário de Casablanca.

Bush quer atropelar FFHH e o Brasil. Ele pode estar certo ou pode estar errado. Um de seus antecessores, Richard Nixon, ensaboou a ditadura militar dizendo ao general Médici que "para onde for o Brasil irá o resto da América Latina". Os generais acreditaram nisso. Pois veio o presidente Jimmy Carter e armou incrível encrenca com as violações de direitos humanos praticados pela mesma ditadura que Nixon besuntara. O andar de cima adorou a frase de Nixon e perdeu a bússola com o atrevimento de Carter. Perderam o seu tempo. Tanto Nixon quanto Carter defendiam o interesse nacional americano. O engano esteve nos brasileiros que acharam possível o presidente dos Estados Unidos perder uma migalha do seu tempo defendendo o interesse nacional brasileiro.

Poucos presidentes descuraram do interesse de Pindorama como FFHH. Orgulhou-se de importar mais que China. Mesmo assim, ele é o presidente do Brasil e George II é presidente do Estados Unidos. Não se trata de nacionalismo, xenofobia ou coisa de índio. É ele quem deve defender os interesses nacionais e é em torno dele que se devem unir todas as facções políticas brasileiras. Num regime democrático, é melhor estar errado com o presidente do Brasil do que certo com o presidente dos Estados Unidos.

FFHH achou que podia seduzir Bush. Deu-se mal. Bush achou que podia dar uma prensa em FFHH. Deu-se mal. Pode-se achar que a Alca é boa. Pode-se também achar que é um desastre. Em qualquer das duas hipóteses, uma coisa é certa: não será o governo dos Estados Unidos que dirá o que é melhor para o Brasil, até porque se a ekipekonômica quiser oferecer a Bush a anexação de Pindorama, ele não a aceitará. Os americanos levaram quase cem anos para atender aos apelos da plutocracia havaiana para que anexassem um arquipélago que, em última analise, tinha alguma serventia militar para os Estados Unidos."

Nenhum comentário: