sábado, 4 de maio de 2002

Nunca escondi de ninguém a espectativa que sempre tive quanto à realização de um filme sobre o Homem Aranha. Desde que me conheço por gente sou alucinado por esse super herói que de super não tem nada, é um cara como outro qualquer. Apesar de não ler quadrinhos desde a adolescencia, quando a notícia do filme surgiu pela primeira vez, há trocentos anos, com o esboço do projeto nas mãos de James Cameron, fiquei realmente tenso. Me deu medo de imaginar um filme do Homem Aranha. De lá prá cá já se passaram uns 5... 6 anos e finalmente ele entra em cartaz. Tenho todos os traillers lançados desde junho do ano passado e os vejo quase todos os dias.... é como voltar a minha infância. De vez em quando me imagino, estagiário lá da globo, inventando uma desculpa pro meu chefe prá poder escapar por meia hora para combater o crime, detendo a quadrilha do Uê ou coisa parecida... hehehe. É divertido ter fantasias assim... mentém vivo nosso lado inocente de garoto. O motivo dessa introdução é para chamar a melhor, mais bem escrita e sensata crítica que li nessas últimas semanas sobre o filme. O autor é o jornalista A.O. Scott, para o The New York Times. O texto segue abaixo na íntegra e dá mais ou menos a noção do que nos espera, dia 17, em todos os cinemas do país.

Lado humano de Homem-Aranha supera efeitos especiais
A.O. Scott, The New York Times



"A primeira coisa que você vê, após as luzes se apagarem e antes dos
créditos começarem, é uma rajada de quadros de histórias em
quadrinhos acompanhada pelo logo da Marvel. Estas imagens a tinta, de
publicações baratas, são seguidas pelas letras brilhantes e prateadas
do título, e o contraste sugere que histórias em quadrinhos e
superproduções de Hollywood podem não ser tão compatíveis quanto os
estúdios de cinema querem nos fazer acreditar. As histórias em
quadrinhos tradicionais são baratas, teimosamente "low tech", e às
vezes com ritmo lento.

Quanto aos filmes que entopem as salas de cinema a cada verão, eles
tendem a ser estratosfericamente caros, repletos de efeitos especiais
de última geração e carregados de seqüências de ação de romper o
tímpano e torcer os olhos, projetadas para deixá-lo empanturrado de
sensação, mesmo que nem sempre se sinta satisfeito.

"Homem-Aranha", que estréia nesta sexta-feira nos Estados Unidos,
inevitavelmente é todas estas coisas, mas o diretor, Sam Raimi, e o
roteirista, David Koepp, não perderam de vista as satisfações mais
simples, mais profundas, da adoração ao super-herói, sendo a
principal delas a identificação. O Homem-Aranha original, criado por
Stan Lee e Steve Ditko para a Marvel Comics em 1962, não era, sob a
fantasia, um exilado interplanetário como o Super-Homem, ou um
milionário recluso como Batman, mas um adolescente urbano comum, sem
muitos amigos. Enquanto ele mergulhava nos desfiladeiros de arranha-
céus de Nova York (não em uma Gotham City ou Metrópolis), o lançador
de teia proferia monólogos cheios de pena de si mesmo, nos quais
gozava de si mesmo, que espelhavam os pensamentos de seus leitores.
Referindo a si mesmo como "seu amigo da vizinhança, Homem-Aranha",
ele parecia ciente do absurdo inerente de ser um combatente do crime
freelance em uma cidade grande.

Este conceito se esgotou com o passar dos anos, e a fama da Marvel
como a mais badalada das duas gigantes de quadrinhos (a outra é a DC
Comics, a editora do Super-Homem) há muito passou. Mas os cineastas
tiveram sucesso em rejuvenescer o personagem, permanecendo ao mesmo
tempo fiéis às suas raízes.

Eles foram auxiliados pela escalação inspirada de Tobey Maguire para
o papel de Peter Parker, o colegial de Woodhaven, Queens, que é
picado por uma aranha em um passeio escolar até a Universidade de
Colúmbia. (Em 1962, o ano da crise dos mísseis de Cuba, a aranha era
radioativa. Agora, para refletir as ansiedades tecnológicas
contemporâneas, é uma superespécie geneticamente alterada.)

Com seus olhos grandes e boca suave, Maguire parece ao mesmo tempo
sagaz e vulnerável; mais do que qualquer outro ator na sua faixa dos
20 anos, ele incorpora a característica da geração de expressar
ironia e sinceridade como se não houvesse diferença entre elas. Ele
às vezes parece esperto demais para o seu próprio bem, observando sua
própria atuação com frieza cética; mas aqui este distanciamento é
consistente com a situação de seu personagem. O próprio Peter,
afinal, é uma espécie de ator, forçado a improvisar uma atuação ao
mesmo tempo perigosa e ridícula.

A melhor parte de "Homem-Aranha" ocorre entre a picada da aranha e a
descoberta de Peter de sua vocação, quando o filme nos pede para
imaginar o que um adolescente tímido, de classe média, faria com
poderes sobre-humanos. Admirar seus novos músculos, por um lado, e
então imaginar um meio de impressionar Mary Jane Watson (Kirsten
Dunst), a bela garota ruiva.

E então Peter, em um protótipo rudimentar da fantasia de Aranha
(completa com tênis de lona vermelho), entra em uma competição de
luta livre, esperando vencer para ganhar dinheiro suficiente para
comprar um carro esporte que fará Mary Jane notá-lo. Tal indulgência
infantil é rapidamente deixada de lado quando seu amado tio Ben
(Cliff Robertson) é morto em um roubo de carro, e os novos talentos
do jovem passam a ser empregados em um propósito superior.

Enquanto isso --se me permitem empregar uma formulação tradicional de
quadrinhos-- um cientista ambicioso chamado Norman Osborn (Willem
Dafoe) está passando por uma crise de identidade semelhante. A
empresa de Osborn, que desenvolve "ampliação da performance humana"
para uso militar, está prestes a perder um grande contrato, então
Osborn realiza uma experiência em si mesmo e se torna o Duende Verde,
voando pela cidade em uma prancha impulsionada por foguete e
provocando toda sorte de caos.

Para complicar as coisas para nosso herói, o filho de Osborn, Harry
(James Franco), é o melhor amigo de Peter e seu rival na disputa pela
afeição de Mary Jane. Logo o Homem-Aranha e seu adversário estarão
combatendo nos céus, enquanto seus alter egos negociarão suas vidas
emocionais cada vez mais complicadas em terra.

Estranhamente, a ação em terra em "Homem-Aranha" é muito mais
divertida do que as acrobacias explosivas, geradas por computador,
nos céus, que em grande parte parecem sem graça e irreais. (Com
exceção da batalha final nas vigas da Ponte Queensboro, apesar de
parte da emoção se dever ao fato desta forte estrutura estar
recebendo atenção após tantos anos sendo negligenciada em prol de
suas irmãs mais fotogênicas.)

Quando o Homem-Aranha dá saltos mortais e ricocheteia em meio ao
prédios altos, você deveria sentir empolgação, mas ao invés disso
você se sente excluído do filme. Painéis de histórias em quadrinhos,
como os filmes antigos, funcionam mais sugerindo do que mostrando. Ao
nos permitir ver o movimento contínuo, as imagens geradas por
computador sobrepostas sobre o cenário real diminuem a mágica ao
invés de ampliá-la.

Não que os efeitos pareçam baratos. Muito pelo contrário: eles
parecem um desperdício de dinheiro.

Mas se as cenas de luta e vôo não aumentam a diversão de "Homem-
Aranha", elas também não a estragam. Raimi é um mestre do realismo
pop, sem medo das piadas fáceis e dos sentimentos piegas, e disposto
a dar aos atores espaço para encontrarem momentos de espirituosidade
improvisada e ternura genuína.

Robertson and Rosemary Harris, que faz o papel da gentil tia May de
Peter, são modestos e decentes sem mergulhar em santidade flagrante.
Como J. Jonah Jameson, o vulcânico editor de jornal (que também, em
uma preocupante violação da ética do jornalismo, parece estar
encarregado da venda de anúncios), J.K. Simmons explode no filme como
uma versão cartunesca de Edward G. Robinson, roubando todas as suas
cenas, que infelizmente são poucas. (Tomara que haja mais delas na
seqüência, prevista para 2004.)

Dafoe é a exceção à regra de que os vilões neste tipo de filme
geralmente são mais interessantes do que os heróis; sua atuação é de
segunda e pouco inspirada. Sua voz para o Duende Verde soa como Phil
Hartman fazendo uma imitação de Jack Nicholson, e seu rosto vazio
exibe mais uma profunda fadiga do que um mal voraz.

Fadiga é o que geralmente se sente ao sair de um filme como este,
após ter sido bombardeado pela badalação e pelo assalto das
estratégias de marketing. "Homem-Aranha", apesar de não estar imune a
estes males, é, assim como Maguire, desarmadoramente atraente, e
tocante de formas inesperadas. A última cena entre Peter e Mary Jane,
cujo romance dá ao filme um toque da antiga Hollywood, parece algo
saído de um romance de Henry James, se você puder imaginar um romance
de Henry James cheio de efeitos especiais e com uma seqüência já em
preparação."

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