quarta-feira, 30 de abril de 2003

Eu tava pensando em escrever alguma coisa mal criada pra encerrar com essa discussão babaca de ecologista-moderninho-intelectualóide-de-botequim-de-Zona-Sul em torno do "cruel linchamento" do tubarão mangona, mas como o jornalista Elio Gaspari (dono do melhor texto do país) o fez hoje em sua coluna, humildemente faço minhas as suas palavras.

Se não for tubarão, pode linchar
ELIO GASPARI

Depois do linchamento de um tubarão mangona na Praia da Joatinga, no Rio, estabeleceu-se uma civilizadíssima discussão em Pindorama. Um promotor mostrou que esse tipo de selvageria dá até um ano de prisão (artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais). Um cientista acrescentou que a pena pode ser aumentada em 50% porque o tubarão mangona é uma espécie em extinção. O episódio indignou algumas boas almas e foi classificado como covardia histérica. A qualidade do debate indicou um elevado grau de consciência ecológica, contemporâneo, para usar uma palavra bonita que não quer dizer nada. Tão elevado que se discute a legalidade do gesto do nordestino que matou a pauladas uma cobra-coral que se aproximou do presidente da República. (Tudo o que Lula precisa na vida é de um matador de cobra-coral ao seu lado.)

Só um povo atrasado, que comeu o seu primeiro bispo (de nome Sardinha), lincha tubarões. Na Suíça ninguém encosta a mão num tubarão. No mínimo, pergunta-se primeiro qual é sua espécie. Se tiver cadastro do Ibama, facilita. Se é mangona, não há por que se preocupar. Ademais, quem é capaz de confundir um tubarão mangona com um diretor do Banco Central?

É verdade que no litoral pernambucano um tubarão comeu a perna de um surfista e o matou. Outro, perdeu o pé. Em apenas dois anos (entre 1992 e 1994) deram-se doze ataques a banhistas. Não se lincham tubarões porque as chances de uma pessoa ser devorada por um desses bichos é uma em 600 milhões, seis mil vezes mais difícil de acontecer do que morrer num salto de pára-quedas. Se discussões desse tipo ocupassem mais espaço na agenda nacional, o Brasil seria outro, uma enorme Miami.

Pena que o velho e bom Brasil ainda seja violento e cruel, com o andar de cima povoado por um pedantismo cosmopolita que se sente bem discutindo linchamento de tubarão, assim como d. Pedro II sentia-se bem estudando sânscrito enquanto um escravo lhe trazia limonada. Discutir linchamento de tubarão não é bobagem, é esperteza. Permite a conclusão de que o povo desta terra não está à altura dos seus tubarões, o que pode ser chato, mas não é grave.

No mesmo dia em que se discutia o caso do tubarão mangona de Joatinga, deu-se o seguinte no Parque Jardim Cocaia, em São Paulo:

Na Rua José Carlos Heffner havia duas festas. Uma era a do aniversário da menina Paloma, de sete anos. Nela estavam os meninos Mateus e Alex. Bêbado, Gilmar Alves de Araujo, de 27 anos, estava na outra festa. Eranilza, sua mulher, reclamou do seu comportamento, engraçando-se com outra senhora. Gilmar saiu, empurrou a mulher para dentro do seu Escort e deu marcha a ré. Esmagou a cabeça de Mateus, matando-o. Feriu Alex. Vendo o que fizera, fugiu a pé.

Foi alcançado. Sua mulher pediu que não o matassem. Disseram-lhe que fosse embora. Estava grávida, seria respeitada. Gilmar morreu de pau, faca e três tiros. Foi levado agonizante para um hospital e a polícia teve de intervir quando um grupo de pessoas quis invadir o necrotério para queimar seu cadáver.

Em 1997, 51,8% das 6.800 famílias ouvidas no Grande Rio apoiavam o linchamento de bípedes. Não há dados que permitam estimar a percentagem de brasileiros que condenam o linchamento de tubarões.

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