quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Reflexoes de um funeral


A multidao carrega o corpo do ex-primeiro ministro pelas ruas do centro de Berute

Algumas reflexoes e comentarios devem ser feitos apos esses 3 dias de luto decretados pelo governo libanes em memoria do ex-primeiro ministro Rafik Hariri, assassinado na segunda-feira. Principalmente pq muito do que chega aih no Brasil, assim como para o resto do mundo, acaba sendo uma exacerbacao da realidade, manipulada pela midia americana que joga conforme seu governo manda.

Falando da procissao e funeral de Hariri, algumas coisas me chamaram a atencao. A principal delas foi a licao de civilidade. Pelo caminho de mais ou menos 3 km desde sua casa em Hamra, regiao oeste de Beirute, ateh o centro da cidade, onde foi enterrado, havia sim soldados e policia, mas apenas monitorando o transito. Mas no centro da cidade, em volta da enorme mesquita que ele estava terminando de construir, nao havia nenhuma autoridade oficial do governo libanes. Imagine uma manifestacao de aproximadamente 20 mil pessoas, apos a morte de um de seus mais importantes lideres politicos, sem sequer um policial... Pois eh... foi isso que aconteceu e nenhuma confusao. Em meio a multidao, politicos dos mais importantes caminhando como cidadaos comuns, numa procissao de extremo respeito. Mas o que se viu foram apenas sunnitas e druzos caminhando, sem presenca de xiitas e cristaos que viram tudo das janelas ou pela televisao. Diferente do que os veiculos de comunicacao anunciaram, nao foram centenas de milhares e sim aproximadamente 20 mil pessoas.


O lider druzo de oposicao, Walid Jumblat, caminhando praticamente sem seguranca no meio da multidao. Seu pai foi tbm assassinado no fim da decade de 70, por um atentado orquestado pelo governo Sirio.

Melhor definicao do que respeito nao ha para explicar como foi a manha de ontem. Porque nao houve essa grande comocao nacional que a midia estah tentando criar. Hariri nunca foi um lider de massas... um homem popular. Era um empresario sagaz e impiedoso, que na opiniao de muitos nunca trabalhou para o Libano e sim para o seu proprio bolso, vendendo metade do paihs para os Sauditas. Mas ainda assim era respeitado, pois suas obras e influencia internacional trouxeram de volta os turistas e o dinheiro internacional, evitando a praticamente inevitavel recessao economica para o Libano. Era sunnita, mas era moderado e respeitado por todas as faccoes partidarias/reliosas libanesas como um homem de negocios e de extrema forca politica internacional para o paihs.

Entao ontem no funeral nao se viam pessoas chorando, emocionadas, clamando por vinganca como eh muito comum numa sociedade tao passional como a arabe. Havia sim um silencio de respeito por um crime que nao podia ser melhor calculado e executado no seu alvo, hora e maneira. A reacao americana contra a Siria foi imediata, bombardeando seus veiculos de comunicacao com uma exacerbacao da realidade, passando para o mundo um Libano que nao existiu nesses ultimos tres dias, ou seja, um Libano de revolta nas ruas, de populacao pedindo por vinganca, de protestos apaixonados, de estado de alerta. O Libano estah em luto e sua populacao assustada. Nas ruas DESERTAS desses 3 dias de feriado, com lojas fechadas, poucos carros circulando e um silencio impressionante.

Muito rapidos os americanos trataram de acusar a Siria pelo assassinato, clamando por uma intervencao internacional no Libano para ajudar nas retiradas das tropas Sirias. Em seguida, tomou uma das medidas diplomaticas mais serias antes de se romper relacoes com um paihs, que eh a retirada da embaixadora americana de Damasco. Em resposta, Siria e Iran trataram de se reunirem para oficializar sua coalizao contra qualquer ameaca internacional contra qualquer um dos dois paises, mostrando o quao seria a situacao pode chegar.

Enquanto isso, apohs o funeral, o silencio voltou as ruas de Beirute, fazendo a cidade voltar a ser essa cidade fantasma dos ultimos 3 dias... Enquanto os EUA tratam de criar o seu bafafa internacional, os libaneses estao calados... com medo. Medo da incerteza de um futuro que nao estah mais nas suas maos.

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