terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Unidos, mas nem tanto!

Enquanto sunnitas, cristaos e druzos comecam a esbocar forca na coalizao de oposicao contra o governo libanes e ocupacao siria, os Xiitas, representacao manoritaria da populacao libanesa, ainda continuam sem tomar uma posicao clara diante dos acontecimentos da ultima semana. Ao mesmo tempo que nao se manifestam a favor do governo, tbm nao se opoem, abrindo a porta para o criticismo e acusacoes internacionais.


Sheik Hassan Nasrallah falando para a multidao de xiitas no feriado da Achura

Mas o que poucos ficaram sabendo e que aconteceu aqui em Beirute no fim da semana passada, foi o discurso de Hassan Nasrallah, lider do Partido de Deus, o Hezbollah. Contrastando com a larga cobertura da midia arabe, que transmitiu ao vivo por redes de TV e radio o discurso que contou com a presenca de milhares de pessoas, o evento passou em branco na midia internacional. Por que esse interesse todo do mundo arabe e o total desprezo do ocidente? Por que existe esse contraste? Para responder essa pergunta eh necessario tentar compreender um pouco como funciona a politica libanesa e qual o papel do Hezbollah diante da populacao. Desde o ano 2000, quando todas as tropas Israelenses deixaram o Libano pressionados pelo levante xiita no sul liderado pelo Hezbollah, muita coisa mudou nessa que um dia foi milicia mas que hoje tem um papel importantissimo no cenario politico do paihs.

Geralmente politica eh feita numa mescla entre ideologias e interesses, mas aqui no Libano as coisas funcionam um pouco diferente. Aqui as coisas sao guiadas muito mais pelos interesses do que por outra coisa. Um bom exemplo eh o Partido Socialista Progressista, que mesmo respondendo por esse pomposo nome tem em seu lider o filho do ex-lider assassinado, representando muito mais uma religiao (a druza) do que a ideologia. Muitos estudiosos de Oriente Medio analisam a politica libanesa e apontam o Hezbollah como o unico partido de verdade no paihs, por ser o unico com uma ideologia muito bem definida, a religiosa. Mesmo com os EUA tentando fazer de tudo para mostrar o contrario, ha muito tempo o Hezbollah deixou de ser uma milicia ou "organizacao terrorista", como americanos e israelenses gostam de dizer. Varios academicos tbm comparam hoje o Hezbollah aos movimentos comunistas/socialistas do seculo passado que de milicias armadas acabaram se transformando em partidos com forte acao social na comunidade e apoio da populacao local. Em seu discurso, Sheik Nasrallah rechacou qualquer tipo de acusacao ou ligacao entre o Hezbollah e o atentado, relembrando que o movimento tem seu unico e exclusivo dever de proteger o Libano no sul contra os isralenses.

O grande problema e que abre as portas para esse tipo de ataque eh que o Hezbollah tbm nao se opoe ao regime e ocupacao sirias, pq sao eles os seus maiores aliados e financiadores. Atraves da siria vem o apoio para lutar pela sua causa e uma vez enfraquecido o regime xiita sirio, o Hezbollah perde demais a forca na regiao. E a quem interessa isso? Provavelmente aos israelenses, que tiveram suas pretensoes pelas fontes abundandes de agua do vizinho de cima frustradas pela resistencia do Hezbollah. Um enfraquecimento dos governos de Siria e Libano representam uma vizinhanca mais do que amistosa para Israel. Em outras palavras, o assassinato de Hariri cai como uma luva para suas pretensoes.

Ao mesmo tempo, o Aman, o mais influente partido xiita do paihs, tbm continua calado, tendo apenas tomada a iniciativa simbolica de pedir o "cancelamento" da Achura, ritual do martirio celebrado pelos xiitas todos os anos. Mas como cancelar a Achura, mais importante data religiosa dos xiitas, eh como cancelar a pascoa para os catolicos, a Achura aconteceu da mesma forma em Nabatieh, sul do Libano, com presenca enorme da populacao xiita. Populacao esta que estah de luto e que provavelmente eh hj a mais amedrontada com toda a situacao. Uma perda de forcas no governo poderia trazer mais tensao para dentro do Libano, paihs onde quase metade da populacao eh xiita.


Na cidade de Nabatieh, sul do Libano, fieis xiitas participam do ritual da Achura, que simboliza o martirio na lembranca da morte de Hassan e Houssein

Muito se fala nos dias de hoje, mas pouco se sabe sobre qual serah o rumo que o paihs vai tomar. Mas levando em conta os acontecimento e se olhando um pouco mais a leste, onde se ve a maior embaixada americana do mundo, sendo contruida em Baghdad, preparada para abrigar cerca de 1800 funcionarios e a um custo de US$1.5 bilhoes, muita gente aposta um total controle americano da regiao, transformando o Libano em mais um membro da familia dos paises subservientes a force militar, politica e economica dos EUA. Basta saber se a complicada e agitada mescla etnica, religiosa e cultural do paihs vai estar de acordo ou se isso serah apenas o comeco de novos e delicados conflitos politicos e sociais.


Achura, em Nabatieh, sul do Libano

Nenhum comentário: