quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Espertos, Malandros e Manés

O jornal mexicano Esto fez uma entrevista esta semana com Javier Aguirre, treinador do Atlético de Madrid e que levou o modesto Osasuna à Champions League ano passado.

A entrevista mostra exatamente a imagem e fama que Aguirre criou nos seus 5 anos de Liga Espanhola, a de um cara bacana, sincero, humilde, simpático e, acima de tudo, sagaz.

Após a leitura, acabei remetido à uma reflexao sobre outros treinadores latino-americanos, que ficaram famosos nao só pelos suas conquistas como tbm pelo que estamos acostumados a chamar de malandragem. Nomes como os de Vanderlei Luxemburgo, Emerson Leao e Carlos Bianchi sao os primeiros que me vêm a cabeça.

Mas ao ler a entrevista de Aguirre, eleito pela UEFA como "Técnico do Ano na Espanha" na temporada em 2005/06 e apontado ano passado pelo jornal Marca como o treinador mais cobiçado do país, tbm me vêm à cabeça nomes como o de Felipao e Telê Santana.

E a diferença entre os dois grupos pode estar numa visao equivocada do conceito de "malandragem". Talvez nao uma visao equivocada mas um duplo significado ou entendimento, uma confusao entre os conceitos de “malandro” e “malandragem”. O que é ser um malandro ou simplesmente saber usar a malandragem.

Peguemos como exemplo uma lenda do samba carioca, Moreira da Silva, cujo o nome é quase sinônimo de malandragem. Moreira da Silva trabalhou até os 98 anos, computando 87 anos de profissao e da mais fina malandragem, com ironia, bom humor, ginga e sagacidade, indo diretamente em contra desse preconceito de que malandragem é vagabundagem, desonestidade ou trairagem. Kid Morangueira costumava dizer sempre: "Eu não sou malandro. Sou um trabalhador que já sofreu com alguns espertos, que levantaram uma grana em cima de mim!" Ou seja, uma coisa é ser malandro, outra é ter malandragem!

E isso pode ser levado diretamente ao futebol se vc olha figuras como Luxemburgo e Leao, que adoram se gabar de seus “feitos”, no alto de suas soberbias e prepotencias. O futebol está cheio de Leoes e Luxemburgos, que vao por aí de “espertos”, de clube em clube, entre falcatruas e confusoes, mas que fracassaram solenemente quando tentaram subir um degrau acima. Sao medíocres que se escondem atrás da sua suposta malandragem, que se acham malandros mas que na verdade estao é “tirando onda de manés”. E o pior é que ainda têm gente que aplaude.

Lendo a entrevista de Aguirre, vc sim se dá conta do que é ter malandragem, na simplicidade da vida e da forma de encarar o mundo, que acaba refletida de forma positiva no trabalho, especialmente nessa arte de leveza e frescura que é o futebol. Quando perguntado como se sentia com a reaçao extremamente positiva da diretoria, jogadores e torcida do Atlético de Madrid, Aguirre respondeu o seguinte:

“Eu cheguei e vi um clube afundado numa cultura derrotista, abatido pela má sorte e maus resultados, ávido de novidades e boas notícias. Daí apareço eu, um simples mexicano, simpático e com sotaque engraçado, que fala com sinceridade, dá broncas, que olha nos olhos, que eles vêem que nao venho pra tirar vantagem de ninguém, que venho todos os dias com meu carrinho popular, que levo meus filhos à escola, vou ao supermercado, ao cinema, tomo minha cerveja... Eles olham pra mim e dizem, pô, esse sujeito é um cara normal!”

O segredo da malandragem é nao ter segredo. É ser um “simples mexicano”, que vai ao supermercado, ou um mineirinho simpático, como era Telê Santana, ou um gaúcho resmugao e apaixonado, como é Felipao. Trabalhadores que sofrem com uns “espertos” mas que fazem seus trabalhos, plantando os frutos, triunfando, ganhando admiradores e amizades.

Um exemplo do estilo de Aguirre e de como ele sabe o que está fazendo, é como ele está trabalhando com o jovem e talentoso Sergio “Kun” Agüero, essa jóia rara de apenas 18 anos que o Atlético contratou do Independiente de Avellaneda. Quando o moleque perdeu o gol cara a cara que daria a vitória contra o Real Madrid, na casa do adversário, Aguirre disse simplesmente “Se prepara para a bronca que seu pai vai te dar quando vc chegar à casa!”. E nao adianta polemizar o gol de mao do Kun no domingo passado, pq foi claramente um reflexo e nao um ato premeditado com intençao de ludibriar a arbitragem. Certamente Aguirre soube deixar claro ao garoto que o gol veio numa hora boa, mas que ele tem talento de sobra para nao precisar usar desse tipo de artifícios no futuro.

Numa era de salários milionários, empresários inescrupulosos e jogadores sem raça e caráter, fazem falta no mundo do futebol mais malandragem como a de Telê, Scolari, Aguirre...

Nenhum comentário: