sexta-feira, 29 de junho de 2001

Lindo texto de Luiz Caversan...

Cadê as fogueiras?

"A rua era de terra, nem larga nem estreita, e naquele quarteirão havia uma pequena subida _ou descida, dependendo do ponto de vista.

Todo mês de junho ela se transformava: de sua insignificância atávica, característica de qualquer rua secundária de periferia, tornava-se verdadeiro palco.

Naquele pedaço de rua havia um Antônio, um João e nenhum Pedro. Quer dizer, "seu" Antônio, "seu" João e, se houvesse Pedro, seria "seu" também, porque todo homem casado, mais velho e tal era chamado de "seu".

Mas isso não vem ao caso: a questão era a rua, que já no começo de junho começava a se modificar.

Primeiro vinham os bambus. Em duplas, eram espetados um de cada lado da rua, com as pontas amarradas no alto, cada dupla a mais ou menos 20 metros da outra, formando um "túnel". Os meninos cuidavam disso.

Depois, as bandeirolas coloridas, feitas pelas meninas, chegavam para ligar um arco de bambu ao outro.

Para arrematar, lâmpadas coloridas eram espalhadas pelas fachadas das casas, mudando completamente o cenário suburbano.

Quando faltavam dois, três dias para o 13 de junho, dia de Santo Antônio, na frente da casa do "seu" Antônio a fogueira era armada. A partir daquele dia a rua ficava, portanto, com o "tráfego" prejudicado. A carroça do lixeiro, puxada a burro, o homem com o balaio cheio de galinhas e também o carrinho gigantesco do vendedor de chapéus tinham que desviar, todos, do amontoado de lenha que ocupava pelo menos metade da via e tinha três, quatro metros de altura.

A véspera de Santo Antônio era o grande dia, ou a grande noite, pois mal o sol se punha e a fogueira era acesa.

De todas as casas saíam as pessoas: os homens com as bebidas (o quentão vinha em chaleiras de ferro que eram postas à beira do fogo), as mulheres traziam o bolo de fubá, a pipoca, a pamonha, o pinhão, a batata doce, o pé de moleque, o curau e outras guloseimas.

A molecada já estava toda cheirando a pólvora por conta das bombinhas, traques, busca-pés e demais artefatos juninos, que clareavam mais ainda a noite fria e úmida _São Paulo, naquela época, ainda tinha garoa.

E a festa seguia noite adentro, com música variada saindo da vitrolinha do dono da casa e a amizade entre as famílias da rua se consolidava em cada rodinha, cada conversa, cada namoro, cada balãozinho que era solto para a molecada correr atrás. Amizades simples e sinceras. Muitas desavenças foram esquecidas ali, à beira da fogueira.

Fogueira que, na véspera de São João (23 de junho) transferia-se para a frente da casa do "seu" João, assim como todo o ritual de comes, bebes, fogos, brincadeiras, conversas sob o sereno e as estrelas _eram tantas, as estrelas; eram tantos os balões...

Como não havia o "seu" Pedro, na véspera do dia 30, então, o que acontecia? As duas fogueiras anteriores eram acesas novamente e a animação tomava conta da rua toda.

Era a festa mais bonita, porque atraía gente da vizinhança, tinha mais comida, mais bebida, meninas de vestido xadrez, chapéus de palha, rojões coloridos. Era linda, aquela noite.

Aliás todo o mês de junho era, por isso tudo, o mês mais bonito nos anos 60 naquele pedaço da zona leste de São Paulo.

Sei que não há mais fogueiras por ali, porque as ruas foram todas asfaltadas.

Também acho que a coisa não funcionaria hoje em dia.

Quem quer ficar comendo pipoca e batata doce no sereno e abrir mão do sofá quentinho e da TV ligada?

Poucos, creio.

Assim como devem ser poucos os que, como eu, se lembram desses tempos e, por incrível que pareça, têm saudades de fogueira."

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