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Foi no meu caminho por Qalandia, rumando para Jerusalem, que eu tive meu primeiro encontro com O Muro. No bairro de Al-Ram, uma grande sessao da barreira de separacao que Israel comecou a construir em 2003 tinham acabado de subir, apesar de alguns espacos ainda existirem na parte norte do distrito. Vendo a construcao do muro ao norte de Jerusalem entrar na sua fase final, estah claro que 50 mil Palestinos na area proxima a Al-Ram serao inteiramente rodeados por concreto, isolados dos seus visinhos e do resto do mundo. Ali por perto, o muro tbm isolarah 70 mil Palestinos na area de Nabala - povo que jah vive entre sessoes do muro em Al-Ram, leste, e Al-Jib, oeste, e que tem o "posto de fiscalizacao" de Beit Hanina ao sul e o famoso posto de Qalandia ao norte. A esse ponto, para chegar ao lado oeste do muro, tivemos que dirigir por uma minuscula estrada de terra paralela ao muro. Outros Palestino, na grande maioria a peh, tem que fazer o mesmo, correndo o risco de serem atropelados.
No posto de Qalandia, encontramos um engarrafamento enorme de taxis, carros, onibus, vans e caminhoes. Centenas de pessoas amontoadas: mulheres, criancas, homens carregando caixas e maletas, fazendeiros carregando materiais, comerciantes cheios de mercadorias, todos esperando encontrar carros ou onibus ou caminhoes que os levem ateh seu destino final. Ou melhor, ateh o proximo posto de fiscalizacao, onde terao de passar por tudo isso novamente. "Nablus! Nablus! Nablus!" uns motoristas gritam seu destino. "Beit Lahem! Beit Lahem! Beit Lahem!" outros tbm, que rumam a Belem. "Al-Quds! Al-Quds! Al-Quds!" gritam aqueles que vao a Jerusalem. Em algum lugar deste caos encontramos Hani, o motorista que havia combinado de me levar ao proximo estagio da minha jornada. Assim que Hani rumou a Qalqilia, me preocupei com a placa verde de West Bank do seu carro, se ela poderia nos trazer problemas. Os residentes de Jerusalem tem placas amarelas, o que muda completamente o tratamento nos "postos de fiscalizacao" e barreiras, evitando as longas revistas militares. "Ultimamente nao estao tao mal assim" diz Hani. "Ha alguns meses era terrivel; nos nao conseguiamos ir a lugar nenhum, mas ultimamente o exercito relaxou um pouco. Eh assim o tempo todo: eles te torturam ateh vc estar a ponto de morrer, entao relaxam ateh vc sentir apenas uma dorzinha, daih comecam tudo novamente. Ainda existem barreiras e postos, revistas e humilhacoes, mas como na maioria das vezes podemos encontrar um caminho 'alternativo', vamos levando". Estavamos em uma estrada "restrita", que pudemos usar por termos autorizacao escrita do governo, coisa rara de se conseguir.
Os sistemas operacionais dos Acordos de Oslo facilitaram em muito o controle Israelense sobre a vida Palestina. Oslo repartiu os Palestinos de West Bank em o que o acordo chama de Areas A, B e C. A Area A sao as grandes cidades Palestinas, como Nablus e Ramallah, que foram revertidas a um controle nominal dos Palestinos sob o acordo, mas a Area A consiste em apenas 18% de West Bank. Area C, sob total controle de Israel, consiste em 60%, e Area B, com administracao Palestina mas com sob controle militar israelense, forma os outros 22%. As Areas A e B sao completamente separadas uma da outra, transformando-as em ilhas cercadas pela Area C. Oslo deu a Israel uma mao livre sobre a Area C enquanto o Acordo - o que nunca chegou ao fim - fosse concluido. Foi muito por causa disso que a construcao Israelense de colonias e estradas continua se multiplicando durante esse tempo de, digamos, negociacoes. Em 1995 apenas, Israel, contruiu 100km de estradas novas para West Bank: 20% das estradas construidas aquele ano. E quanto mais Israel consolida seu controle pela Area C, mais os Palestinos sao forcados a achar caminhos marginais as estradas que eles sao devidamente proibido de usarem - sao chamadas estradas "esterilizadas".
Durante o caminho Hani me mostrava as estradas de terra e caminhos pedregosos sobres as colinas que os Palestinos sao obrigados a passar para ir de uma vila para a outra, isso porque as cidades Palestinas sao ignoradas na construcao das estradas, que parecem inclusive evita-las. Ha dois sistemas semi-independetes de estradas nesta regiao: a bem elaborada, bem pavimentada e bem sinalizada Israelense e a tortuosa, esburacada, varias vezes interrompida e bloqueada Palestina. E para completar a total separacao dos dois sistemas em West Bank, Israel estah planejando um novo sistema de tuneis e viadutos que linkaria as areas fragmentadas e permitiria aos Israelenses cruzarem todo West Bank em estradas "esterilizadas".
O exercito gosta dessa ideia porque em um futuro proximo seria possivel interromper a comunicacao entre as areas Palestinas com um simples abrir ou fechar de pontes ou tuneis. A coisa toda esta sendo planejada para parecer que faria a vida mais simples para os Palestinos, mas na verdade vai eh simplificar a ocupacao e controle israelense na regiao. Em janeiro de 2004, de acordo com o Escritorio da ONU para Assuntos de Coordenacao Humanitaria (OCHA), hoje exitem 59 "postos de fiscalizacao" fixos isralenses em West Bank, 10 parciais, 479 montes de terra para bloqueio, 75 trincheiras, 100 bloqueios de estradas e 40 portoes fechando estradas, todos planejado para interromper e controlar o trafico de Palestinos.
Todos os Palestinos precisam de permissao para viajar por West Bank (o que nao eh pelo Acordo de Oslo). Conseguir uma permissao requer um procedimento administrativo demorado e dezenas de milhares de pedidos sao negados por uma razao ou outra, na maioria das vezes alegando "riscos de seguranca". A maior parte dos pedidos emitidos sao para pedestres e passageiros de transporte publico. Dos mais de 2 milhoes de Palestinos em West Bank, apnas 3 mil tem permissao de dirigir seus proprios veiculos. O carro de Hani na verdade pertence a empresa que ele trabalha. Em qualquer caso, mesmo com permissao todos sao obrigados a passar pela mesma peregrinacao dos "postos de fiscalizacao" e suas aberturas irregulares.
No caminho a Qalqilia, passamos por cidades palestinas e vilarejos onde as estradas de acesso foram completamente interrompidas ou bloqueadas por montes de terra ou blocos de cimento. Em todos eles haviam carros e vans estacionados ou pessoas esperando. Jah as colonias judias sao bem diferentes. Sempre no alto das colinas, cercadas de grades, casas em formatos de chales, arvores e jardins, oferecendo um contraste visual radical com as comunidades que as rodeiam. Todos contam com estradas bem pavimentadas.
Qalqilia tem uma populacao de 60 mil e eh a maior cidade agricola, cercade de campos verdes, pomares, plantacoes e oliveiras. Como qualquer outra grande cidade palestina, eh um centro comercial e administrativo para os vilarejos em volta, que formam uma populacao de 40 a 50 mil mais. Como Qalqilia estah ao lado da chamada Linha Verde que existe supostamente para separar West Bank de Israel - uma fronteira que estah sendo feita atraves de um muro que em 90% da sua extensao estah sendo construido a leste da Linha Verde, roubando terras de West Bank - antigamente era possivel para os Palestinos das cidades vizinhas irem ateh lah para o mercado ou para encontrar seus amigos e familiares. A barreira de separacao estah destruindo um complexo historico, comercial, agricultural, social, cultural e de relacoes familiares. Apesar da desculpa do muro ser uma "cerca de seguranca", eh obvio que o verdadeiro objetivo da barreira eh absorver o quanto mais de terras e o quanto menos de Palestinos possivel, adquirindo um territorio de facil coneccao - e de fato jah anexados - a Israel. E em nenhum outro lugar estah mais claro do que na regiao fertil e bem irrigada de Qalqilia. Ao norte da cidade, o muro absorve cerca de 6 mil acres de terras produzidas, fazendas cheias de hortas e plantacoes. Qalqilia hj eh formada apenas pela parte oeste da peninsula territorial criada pelo muro.
Qalqilia e Tulkarem, ao norte, assim como 20 e poucas outras cidades e vilarejos na mesma area, agora se encontram separadas de suas terras de cultivo pela rede de concreto, cercas eletricas, radares e soldados que formam o muro isralense. Ainda pior estao seis ou sete cidades Palestinas entre a Linha Verde e o Muro. Isso apenas nos arredores de Qalqilia, pq ha muitos casos mais por toda a extensao do Muro.
Em Outubro de 2003, pouco depois do muro comecar a subir, o exercito declarou que a terra entre a barreira e a Linha vermelha sao "area militar". A declaracao explicita que ninguem pode entrar na area senao cidadaos Israeleses ou qualquer outro aplicavel a Lei Basica de Retorno Israelense (que eh qualquer um que seja judeu de qualquer parte do mundo). Ninguem, nesse caso, quer dizer os Palestinos, donos da terra, que estao prestes a verem esta ser tirada a forca deles.
Os moradores das vilas na "are militar" tem que efetuar um "pedido de residencia permanete" atraves do exercito. Como o nome diz, eh mais ou menos o Green Card oferecido pelos EUA, com a diferenca basica de que os que estao sendo obrigados a efetuar o pedido apenas querem continuar vivendo onde nasceram. E o pedido pode ser negado ou cancelado a qualquer momento, resultando numa expulsao sumaria e sem compensasao das suas proprias terras pelo estado de Israel.
Na Regiao de Qalqilia, alguns milhares de Palestinos tiveram que tirar a "permissao de residencia permanente". Quando o muro estiver completo, no entado, mais CEM MIL Palestinos vao precisar dela. E mais dezenas de milhares se verao isolados e sem acesso ao trabalho, escolas e hospitais (um terco dos vilarejos de West Bank terao problemas para chegar a hospitais quando o muro estiver completo - 26 clinicas jah foram isoladas e o numero vai subir para 71 quando terminar).
Os Palestinos que vivem fora da "area militar", separados das suas terras de cultivo dentro dela, nao estao muito melhor. Os fazendeiros de Qalqilia, Jaius e vilarejos da regiao que quiserem cultivar suas terras do outro lado da barreira terao que obter uma permissao das forcas de ocupacao. Os militares Israelense estipulam uma duzia de diferentes tipos de registros que os fazendeiros Palestinos tem que fazer para poder cultivar nas suas proprias terras. Claro que, para conseguir esses registros e permissoes, vai aih uma complexa jornada burocratica e administrativa que leva muito tempo. E se houver qualquer tipo de erro no registro das terras ou se o dono original jah tiver morrido ou se mudado para outro paihs ou se houver qualquer tipo de questao sobre heranca ou realocacao da terra entre familias ou questoes nos documentos de vendas ou titulos (o que eh muito normal no Oriente Medio jah que em muitas vezes os documentos e terras tiveram que passar por quatro administracoes diferentes - Otomanos, Ingleses, Jordanos e Israelenses) o pedido serah sumariamente negado. Muitas das terras, nao soh em West Bank mas em todo o Oriente Medio, nunca foram registradas formalmente em sistemas governamentais burocraticos e sao mantidas informalmente, de pai pra filho ou por uso coletivo de uma comunidade, num sistema respeitado e compreendido por todos.
Para lidar com esse problema, Israel buscou uma lei Otomana de 1858 e, interpretando como bem entende, declarou muitas dessas terras Palestinas como "propriedade do governo", ou classificando-as como "terra improdutiva", automaticamente transferindo-as para o governo. O grande problema eh que o Imperio Otomano acabou com o Tratado de Sevres e nunca assinou a Carta da ONU na Convensao de Genebra - ambos que contem regras sobre terras ocupadas - coisa que Israel o fez. De qualquer maneira, enquanto os assuntos legais ficam pendentes, as terras ferteis da Palestina vao cair no desuso, abandonadas. Foi a tatica da Lei Otomana a usada por Israel sempre que quiseram desapropriar territorio Palestino.
Ateh agora, um quarto dos pedidos de permissao para ter acesso as terras nas areas entre o Muro e a Linha Verde foram rejeitadas pelas autoridades israelenses. E os que conseguiram a permissao mal conseguem chegar as terras, tendo que andar dezenas de quilometros e passar por barreiras e postos militares. Na area entre Qalqilia e Tulkarem, por exemplo, existem 12 portoes, quatro deles que nunca sao abertos para fazendeiros, enquanto outros tres estao destinados para assuntos que nao agricultura. Isso nos deixa cinco outros portoes. E o mais proximo da parte norte de Qalqilia eh o que nunca estah aberto. Ou seja, qualquer fazendeiro que antes estava a poucos metros de sua terra de cultivo agora tem que pegar a estrada a leste (que agora estah aberta, mas pode ser fechada novamente a qualquer momento), passar por postos e barreiras e andar o caminho todo novamente ateh chegar as suas terras... Ou melhor... ateh chegar ao portao mais proximo e passar por tudo novamente.
Durante os meses que se seguiram apos o sistema de permissoes foi posto em pratica, fazendeiros tiveram que esperar longos periodos ateh conseguirem-na. No comeco da temporada de colheita de azeitonas de 2003, os portoes nao foram abertos de forma alguma por semanas a fio, em punicao coletiva a um atentado a bomba em Haifa. Seguido de apelacoes e mais apelacoes a suprema corte Israelense, a maioria dos portoes, ou melhos, a maioria dos CINCO portoes para fazendeiros agora opera mais ou menos com um calendario fixo, abrindo 3 vezes ao dia, por meia hora. Mas esse eh apenas o comeco dos problemas. Eles sempre sao proibidos de passar com seus tratores pelos portoes e, em tempos de cultivo e colheita, nao sao autorizados a levar mais trabalhadores com eles para ajudar na lavoura. E levando em conta o numero de milagres que os fazendeiros precisam para chegar a uma colheita, ele ainda precisa fazer com que sua producao chegue ao mercado, o que envolve encontrar um portao aberto, passar sua colheita por ele em apenas meia hora, negociar a passagem nos bloqueios, conseguir uma permissao de transporte, esperar nos postos de fiscalizacao por hora ou ateh dias.
A oeste de Qalqilia, o muro de concreto chega a 7 metros de altura. Ao norte e ao sul, a estrada que levava os fazendeiros a suas fazendas estah agora interrompida com montes de terra, blocos de concreto, um muro de metal, arame farpado, cerca eletrica, mais arame farpado, cinquenta metros de estrada e aih, depois, tudo de novo. Tudo isso eh protegido por uma torre fortificada imensa, onde a bandeira de Israel balanca com o vento. Isso tudo que hoje estah contruido um dia foi um campo de cultivo, cheio de arvores e oliveiras, cortados para dar lugar as fortificacoes e para nao cobrir o campo visual da guarda. E o estrago nao fica soh aih. Uma devastacao de 200 metros de largura por 8 km de extensao para uma cidade do tamanho de Qalqilia eh mais do que essa pobre comunidade pode aguentar.
Alguns veem as negociacoes entre os novos lideres Pelestinos e o governo Israelense com otimismo. Negociacoes anteriores, comecando por Oslo, serviram apenas para consolidar o controle sobre West Bank, Gasa e Jerusalem, fazendo a vida ainda mais dificil para os Palestinos. Da mesma forma que alguns viam a morte de Arafat como um tempo de esperanca, mas foram surpreendidos em Jaius, perto de Qalqilia, com a noticia de que mais de suas terras seria desapropriadas para que fosse possivel a expansao da colonia Isralense de Zufim, entre o Muro e a Linha Verde. Suas oliveiras foram exterminadas em dezembro. Talves um otimismo cego, que nao ve a realidade que os cerca, seja melhor do que uma total perda da esperanca.
(Por Saree Makdisi, professor da UCLA. Ele estah terminando de escrever um livro chamado "Palestine without a Road Map". Traducao: Fernando Kallas)
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